O ART. 11 da lei de Improbidade administrativa e o “dolo”

Obrigatoriedade da presença do elemento subjetivo “dolo” como requisito a configurar o ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11 da Lei 8429/1992.

Por: Ana Regina Martinho Guimarães e Marcelo S. Ergesse Machado

Muito se tem visto ajuizamento de ações de improbidade administrativa com lastro no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, pelo Ministério Público, quando o agente, no exercício de suas funções, comete equívoco desprovido de qualquer finalidade ilícita, sem se locupletar ou causar dano ao erário. Comum também se tornou o propósito de punir o superior hierárquico por atos ímprobos cometidos por seus subordinados, sob o pretexto de que há a responsabilidade objetiva na relação entre agentes públicos de diferentes níveis hierárquicos, o que claramente extrapola os limites do dispositivo em questão. Não raras vezes, deparamo-nos com ações de improbidade que nem sequer contêm a especificação da conduta do agente considerada ímproba.

É importante que as funções constitucionais e legais dos órgãos de controle sejam amplamente observadas e que seus membros se atenham a elas, sob pena de se mediocrizar a atuação de entidades de tamanha relevância, assim como banalizar o importante instituto da Improbidade Administrativa, verdadeira conquista democrática, ao serem desvirtuadas as finalidades públicas de tais instituições.

É antijurídico buscar punir o que não comporta punição. Mais do que isso, o exponencial crescimento do número de ações de improbidade propostas sem justa causa representa verdadeiro desgaste às instituições e a todos os agentes envolvidos, fiscalizadores e fiscalizados. Infelizmente, o aumento dessas ações pode não representar somente o aperfeiçoamento das investigações e o aprimoramento dos mecanismos de combate à corrupção.

Na medida em que cresceu o número de ações desta natureza, aumentaram as decisões judiciais com base na pior hermenêutica da norma prevista no artigo 11 da Lei nº 8.429/1992, conferindo-lhe ampla e indistinta aplicação, como no exemplo acima mencionado, nas que reconhecem que o simples fato de o agente ocupar determinado cargo leva inexoravelmente à condenação pelas irregularidades funcionais ou ilicitudes cometidas pelos ocupantes de cargos a ele subordinados, sendo esta, incontestavelmente, uma falsa premissa.

Nessas hipóteses, as condenações têm atingido o agente diretamente envolvido no ilícito e o seu superior hierárquico, não obstante a ausência de descrição e demonstração da circunstância indicativa da conduta dolosa deste último.

O artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa tem o dolo do agente como elemento subjetivo, de modo que o interesse de agir deve estar pautado na necessária demonstração de autoria e a descrição da conduta tipificada como ímproba, no caso, a suposta violação aos princípios da Administração Pública.

Para evitar divagações dessa natureza acerca do dispositivo em comento, é que a mais abalizada doutrina e a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se posicionaram no sentido de que a responsabilidade é subjetiva no tipo designado pelo artigo 11 da LIA.

Pelo mesmo motivo, não se pode cogitar que determinado agente faltou com os deveres de honestidade, moralidade, legalidade e lealdade à Administração Pública em decorrência de conduta exclusiva de seus subordinados. Desvia-se do objetivo da norma punir irregularidades funcionais, a inabilidade e a incompetência.

O Supremo Tribunal Federal manifesta-se contrariamente a ações de improbidade administrativa, cujo anseio de seus promoventes seja o de punir por mera presunção, como se baluartes da justiça e da moralidade fossem tais operadores do direito.

Exemplo recente é o v.acórdão proferido em Questão de Ordem em Ação Penal, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, em que foi afastada a presença do elemento da justa causa, condicionante para a propositura de ações sancionatórias, em função de que não foi “demonstrado pela acusação o dolo do acusado na autorização da despesa e incluído no polo passivo exclusivamente em razão de sua posição hierárquica”. Consignou-se nesse julgado que:

“Permitir que o acusado seja submetido a processo exclusivamente pela posição hierárquica superior que ocupava, no caso chefe do DEOESP, viola as regras quanto à autoria e participação que regem o direito penal brasileiro. Deve haver indícios de que o acusado atuou com dolo, o que não se verifica no caso dos autos. Ademais, o mero dever de saber não é suficiente para uma condenação em razão de ensejar uma responsabilização objetiva. Não cabe presunção in malan partem, ante o princípio da não culpabilidade (art. 5º, LVII da Constituição Federal).” (STF, AP 905 QO, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe-053).

Tem-se, então, que a finalidade da Lei nº 8.429/1992 é a de punir o desonesto, o corrupto, o desprovido de lealdade e boa fé, especialmente nos casos tipificados como incursos no artigo 11 da referida lei. Desse modo, é imprescindível que em ações deste viés seja preenchido requisito basilar para atribuição de ato de improbidade ao agente, que é o elemento subjetivo do tipo, consubstanciado na vontade do agente de concretizar o ato tipificado como ímprobo.

O desprezo à obrigatoriedade da comprovação do dolo na conduta do agente e a consequente aplicação das sanções dispostas no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992, representa cerceamento descabido ao exercício constitucional da cidadania, base do Estado Democrático de Direito.

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